"Ferramentas moleculares" é um termo amplamente empregado em textos e artigos científicos quando se referem às tecnologias e processos (ou metodologias) que empregam equipamentos e protocolos da área de biologia molecular. Em meus textos acadêmicos e científicos e em aula, eu também recorro ao termo em inúmeras oportunidades, mas não sem uma certa resistência com relação ao conceito que eu formei sobre as famosas "ferramenteas moleculares" e à interpretação mais óbvia e - talvez - mas difundida que se encontra na divulgação deste termo. Como este espaço tem uma pequena pretensão de divulgar idéias e conceitos em ciência e tenho a liberdade de expressar minha experiência no assunto da forma mais particular e pessoal que quiser (por ser um blog, mesmo que científico), gostaria de estender um pouco mais o conceito de "tools" agregando a minha visão.
Um texto que eu considero muito esclarecedor e elevo à qualidade de "clássico" da literatura da área de biologia molecular e evolução trata da técnica de PCR (ou Polymerase Chain Reaction - em inglês), detalhando a participação de cada reagente (soluções e enzima) no processo, integrando o papel de gradientes de temperatura que variam dentro de ciclos programados em um equipamento chamado de 'máquina de PCR" ou termociclador. O texto em questão é de autoria do pesquisador Stephen R. Palumbi, e se refere ao capítulo 7 do livro Molecular Systematics, editado por David M. Hillis, Craig Moritz e Barbara K. Mable, versão 1996 (Sinauer Associates).
Naquela época, o livro foi um marco por apresentar a fundamentação teórica de inúmeras estratégias moleculares, esclarecendo vários aspectos relacionados à rotina de laboratórios e grupos de pesquisa no uso de técnicas modernas em estudos em biologia evolutiva e evolução molecular, incluindo protocolos experimentais e resolução de problemas comumente associados às "ferramentas moleculares" (incluindo não só PCR e estratégias derivadas - RAPD, AFLP, Microssatélites (ainda em sua infância) - como também análises de Isozimas, RFLP, Hibridação DNA-DNA, etc.). Acredito que este tipo de publicação promoveu a popularização de estudos evolutivos integrando áreas como zoologia, botânica, genética e biologia molecular (entre outras).
Estando isso esclarecido, não tenho maiores restrições ao uso do termo "ferramenta" para designar certas estratégias ou técnicas moleculares. Imagino que esta opinião não seja uma unanimidade na comunidade científica, pelos exemplos que tenho visto associados ao uso do termo de forma superficial e simplória, mas compartilho com vocês minhas impressões sobre este assunto. Comentários e críticas são bem-vindos!
ana claudia
PS - a inspiração desta postagem veio - principalmente - pela discussão do texto de S. Palumbi realizada recentemente na disciplina "Métodos Moleculares para Caracterização da Biodiversidade" inserida no Programa de Pós-Graduação em Diversidade Biológica e Conservação da UFSCar - Sorocaba. Outra fonte de inspiração mais "crônica" refere-se à resistência da minha orientadora (de IC e pós) com relação ao uso deste termo nas diversas oportunidades de revisão dos meus textos acadêmicos (agradeço pela oportunidade de refletir sobre isso durante minha formação :)).
Naquela época, o livro foi um marco por apresentar a fundamentação teórica de inúmeras estratégias moleculares, esclarecendo vários aspectos relacionados à rotina de laboratórios e grupos de pesquisa no uso de técnicas modernas em estudos em biologia evolutiva e evolução molecular, incluindo protocolos experimentais e resolução de problemas comumente associados às "ferramentas moleculares" (incluindo não só PCR e estratégias derivadas - RAPD, AFLP, Microssatélites (ainda em sua infância) - como também análises de Isozimas, RFLP, Hibridação DNA-DNA, etc.). Acredito que este tipo de publicação promoveu a popularização de estudos evolutivos integrando áreas como zoologia, botânica, genética e biologia molecular (entre outras).
Há algumas passagens muito interessantes e reveladoras neste texto, onde o autor afirma que uma das coisas mais surpreendentes sobre a reação de PCR é que ela funcione tão bem para tanta gente, considerando-se a complexidade de interações químicas e termodinâmicas inerente ao sistema ("The fact that it works so well for so many people is one of the most astonishing things about it"). Outros dois trechos que me causam grande simpatia e identidade ocorrem quando o autor afirma que: 1) a máquina de PCR é uma ferramenta EXPERIMENTAL (maiúsculas por minha conta!) ("... an important aspect of PCR that is frequently overlooked: a PCR machine is an experimental tool, not just a troublesome gadget designed to produce a DNA product") e 2) que cada reação de PCR é uma oportunidade experimental ("...it is important to treat the PCR process as an experimental opportunity").
São contextualizações como estas que revelam claramente o conflito presente na interpretação do que vem a ser uma "ferramenta molecular". Uma chave-de-fenda, um martelo ou uma solda elétrica poderiam ser considerados "oportunidades experimentais"? O uso de uma ferramenta, ou de uma receita, seguindo instruções recebidas após treinamento ou mesmo sem ele, sempre geram o resultado previsto (excluindo-se a possibilidade de erro do "operador"). Ao menos essa é a idéia básica normalmente associda ao benefício de usar uma ferramenta: a chave-de-fenda sempre é operada da mesma forma para apertar um determinado tipo de parafuso à determinada superfície; a criatividade não seria um requisito importante neste cenário.
Conduzir um experimento que involva uma reação de PCR, ou qualquer outra metodologia molecular, requer que seja seguido um protocolo experimental, MAS NEM SEMPRE o resultado obtido (ou a ausência deste) concorda com o resultado esperado (qualquer um que já tenha feito algumas reações de PCR poderá depor a meu favor neste aspecto :)). Segundo Palumbi, mesmo um biólogo molecular experiente tem dificuldade de prever com precisão como uma alteração em algum dos componentes da reação irá interferir na qualidade do resultado final. Outra dificuldade é o orientador definir para o aluno (ou vice-versa) porque determinada reação de PCR resultou na ausência de amplificação ou na amplificação de múltiplos produtos ou produtos inespecíficos. Isto se deve à natureza EXPERIMENTAL dessa "ferramenta". É exatamente essa "natureza" que difere entre a máquina de PCR e máquina de solda... há uma forte demanda pelo exercício intelectual, constante e investigativo, no uso de ferramentas moleculares para garantir a obtenção dos resultados esperados conforme expectativa e cronogramas apresentados nos projetos conduzidos pelo grupo de pesquisa.
Estando isso esclarecido, não tenho maiores restrições ao uso do termo "ferramenta" para designar certas estratégias ou técnicas moleculares. Imagino que esta opinião não seja uma unanimidade na comunidade científica, pelos exemplos que tenho visto associados ao uso do termo de forma superficial e simplória, mas compartilho com vocês minhas impressões sobre este assunto. Comentários e críticas são bem-vindos!
ana claudia
PS - a inspiração desta postagem veio - principalmente - pela discussão do texto de S. Palumbi realizada recentemente na disciplina "Métodos Moleculares para Caracterização da Biodiversidade" inserida no Programa de Pós-Graduação em Diversidade Biológica e Conservação da UFSCar - Sorocaba. Outra fonte de inspiração mais "crônica" refere-se à resistência da minha orientadora (de IC e pós) com relação ao uso deste termo nas diversas oportunidades de revisão dos meus textos acadêmicos (agradeço pela oportunidade de refletir sobre isso durante minha formação :)).