Li hoje um artigo na PNAS sobre a evolução de paladar em mamíferos (Jiang et al. (2012). Major taste loss in carnivorous mammals. PNAS, v. 109 (13): 4956 - 4961), especificamente tratando da perda de receptores para determinados sabores em carnívoros. Os autores já haviam identificado que gatos são indiferentes a componentes adocicados e explicado que isso ocorre devido a alterações no gene Tas1r2* , que codifica o receptor Tas1r2. Sem receptor para determinado sabor não há como o animal sentir determinado gosto. Evolutivamente, além de gastronomicamente, é importante o animal "perceber" o que come, afinal é uma atividade extremamente associada à sobrevivência da espécie, não? E os bichos que engolem inteiro sem mastigar, sentem o sabor*2? Se, anyway, as criaturas nem sentem mais o sabor, a "natureza" (academicamente chamada de "seleção natural") torna-se menos intolerante com relação à preservação das funcões do receptor (no caso, do Tas1r2) e não exige mais o certificado ISO9000 daquela estrutura. Pois bem, se não há mais "ninguém supervisionando", ninguém vai notar se começarem a aparecer organismos com defeitos de fabricação justamente neste receptor, não é? Se não notarem, estes individuos desprovidos de paladar para algum sabor terão as mesmas probabilidades que quaisquer outros (mesmo com paladar sofisticado) de reproduzir e popular com seus descendentes a próxima geração. Enfim, um cenário no qual determinada espécie não sente determinado sabor pode ser uma realidade. E é! Os autores do estudo concluem que a perda de função do receptor de sabor em mamíferos é uma fenômeno amplo e está diretamente relacionado a especializações alimentares. E os pseudogenes sugeridos no título... onde entram na história? Lembram o Tas1r2? Se não há ninguém supervisionando, mutações espontâneas que assolam o gene - e escapam dos sistemas de reparo - permanecerão na população e serão transmitidas geneticamente aos descendentes (são elas as responsáveis pela perda da função do receptor - num cenário com "supervisor intolerante" os organismos que possuem mutações neste gene não estariam mais entre nós, entende?). Qual nome se dá ao gene agora que ele está mutado e perdeu a capacidade de codificar uma proteína funcional? Ele perde seu status de gene, caindo no ranking genético para a posição de pseudogene (pseudo = falso, parece mais não é: denorex! Alguém ainda lembra dessa propaganda da idade da pedra lascada?). Segundo os pesquisadores, que analisaram 12 espécies de caranívoros, 7 destas espécies PSEUDOGENIZARAM o Tas1r2 de forma independente (eventos múltiplos) em resposta a mutações que corromperam o quadro de leitura do gene ("ORF-disrupting mutations"). Nunca tinha visto o emprego deste termo: pseudogenização, gene pseudogenizado, vós pseudogenizais... compreensão imediata do sentido, mas que é estranho, é! Apesar do genes ser "pseudo", a ciência é da boa! :)
*1 a regra diz que, no texto, os nomes dos genes devem vir em itálico para não confundir com a proteína que eles codificam e o leitor identificar, mais facilmente, a qual a entidade - gene ou proteína - faz-se referência.
*2 a avó de certas pessoas que eu conheço vive repetindo que é preciso "saborear os alimentos", isso porque certos animais e certas crianças só sabem o que comem pelo sentido a visão!