segunda-feira, maio 31, 2010

Encaminho ao ViaGene uma mensagem que recebi por e-mail e que mostra um pouco da dor e frustração de pesquisadores do Instituto Butantan sobre as declarações do ex-diretor do instituto.

Caros Colegas,



Não bastasse a tragédia em si, declarações estarrecedoras de liderança científica denigrem ainda mais a imagem da Instituição. Lamentamos.


Abaixo, encaminhamos um texto elaborado por Pedro Nunes e Felipe Curcio do IB-USP, publicado na íntegra no http://colunas.epoca.globo.com/planeta/2010/05/20/cientistas-rebatem-declaracao-de-ex-presidente-do-butantan/


Compartilhamos dessa opinião.

Laboratório de Ecologia e Evolução


Instituto Butantan


Otávio Marques
Maria José de J. Silva
Nancy Oguiura
Ricardo Sawaya
Selma Almeida-Santos
Hebert Ferrarezzi


Apelo dos bobos aos que não querem reconstruir

O incêndio que consumiu tragicamente o maior acervo de serpentes e artrópodes neotropicais sediado no Instituto Butantan atingiu em cheio quase toda a comunidade científica do Brasil e do mundo. O termo “quase”, entretanto, é obrigatório nesta frase. Se um, e apenas um cientista, acredita que a coleção perdida era uma bobagem, e que o que se perdeu nada significa diante de outras questões prioritárias como a produção de vacinas e soros, já não seria unânime considerar o ocorrido como trágico.

Infelizmente, o depoimento do Prof. Dr. Isaías Raw à Folha de São Paulo, em 20/5/2010, atesta esta triste realidade. Segundo o Dr. Raw, a coleção “é uma bobagem medieval” e a única função do Instituto Butantan é “fazer vacina para as crianças” e não “cuidar de cobras guardadas em álcool”.

É curioso como a opinião pessoal do Dr. Raw destoa da visão da imensa maioria da comunidade científica. Pode-se até respeitar que ele acredite que o Instituto Butantan devesse se dedicar unicamente à pesquisa aplicada, deixando de lado a pesquisa básica, ainda que a história diga o contrário. Fosse assim, o acervo de mais de 80 mil serpentes e 450 mil artrópodes não teria sido construído em 100 anos de trabalho, à revelia de gente que opina como o Dr. Raw e da falta de apoio pelo poder público.

Parte da história da fauna brasileira foi incinerada. Espécies raras, criticamente ameaçadas de extinção, estavam somente representadas no acervo perdido. Outras, só foram descobertas e trazidas ao conhecimento público graças à existência deste acervo. Isso sem contar as várias espécies novas, ainda não catalogadas pela ciência, cujas descrições estavam em andamento com base em espécimes que se perderam no incêndio.

E porque tanto fogo? Seria de fato bobagem armazenar espécimes em um líquido combustível como o álcool? Este procedimento de estocagem é padrão internacional. Qualificá-lo como “bobagem” é o mesmo de dizer que são “bobos” todos os museus de renome mundial, nos Estados Unidos, na Europa e em outros centros de excelência de pesquisa em zoologia. Será que o único investigador inteligente no mundo é de fato o Dr. Raw? Será que todos os inúmeros colegas que se comovem com a perda do acervo do Butantan estão de fato perdendo seu precioso tempo juntando esforços para reconstruir esta “bobagem”?

Como, até o momento, nenhum colega manifestou-se de forma semelhante ao Dr. Raw, sua afirmação parece vazia, desrespeitosa e, acima de tudo, cruel. Mesmo o “mais importante zoólogo vivo do Brasil” (conforme relato da própria Folha), apesar da crítica descabida ao trabalho dos investigadores do Butantan, reconhece a importância do acervo no mesmo artigo em que o Dr. Raw expressa sua controversa opinião.

Para dar alguns exemplos práticos e diretamente aplicáveis de como as coleções científicas do Instituto Butantan eram usadas, entre muitas outras aplicações, é através de acervos assim que a classificação de serpentes e artrópodes peçonhentos é possível. Graças a “bobagens” como esta, é possível identificar a existência de diferentes grupos de ofídios ou aracnídeos e assim desenvolver soros específicos e mais eficientes para cada um desses grupos. A impressionante produção científica do Dr. Raw é principalmente embasada em imunização.

Teria ele a consciência de que o desenvolvimento de soros e vacinas eficientes depende da identificação precisa do patógeno, bem como do estudo de suas relações de parentesco? Ficamos curiosos em saber como Dr. Raw foi capaz de produzir tanto conhecimento sem o apoio de sistematas e taxonomistas, profissionais que trabalham com o tipo de “bobagem” que o fogo destruiu.

Mais sensato seria se o ex-presidente da Fundação Butantan optasse pelo silêncio e celebrasse a tragédia no conforto de sua residência. Vir a público com declarações infundadas, reducionistas e sarcásticas é inadmissível e confunde a opinião pública que estava, até então, tendo uma rara oportunidade de vivenciar uma discussão sensata sobre a importância de se preservar e investir em coleções científicas como a que se perdeu. Entretanto, a considerar pelo seu estilo de gestão, historicamente criticado e visto como deletério por muitos dos colegas que trabalham no Instituto Butantan, a declaração do Dr. Raw não surpreende a ninguém que o conheça.

Neste momento tão inoportuno, seu sarcasmo e sua arrogância apenas tornam seu depoimento mais dolorido. É como se, durante o velório de um ente querido, a família fosse obrigada a aturar um lunático invadindo o salão, estourando uma garrafa de champagne e celebrando a ausência definitiva do morto. Por sorte, em algum momento, vozes inoportunas terminam por se calar, de um modo ou de outro. Assim desejamos.

Que falem os que tem algo de construtivo a dizer. Que falem os que sabem o quanto é difícil renuir recursos para a pesquisa de base no país. Que falem os que tem consciência que sem a investigação de base, “cientistas brilhantes” como o Dr. Raw não teriam escrito sequer uma linha aproveitável de ciência. Os demais, por favor, respeitem esta perda irreparável do patrimônio público.

Felipe Franco Curcio
Pós-Doutorando
Depto. Zoologia do Inst. de Biociências da USP

Pedro M. Sales Nunes
Doutorando
Depto. Zoologia do Inst. de Biociências da USP

segunda-feira, maio 17, 2010

A CIÊNCIA PERDE UM ACERVO INESTIMÁVEL: INCÊNDIO DESTRÓI COLEÇÕES DE SAPOS, COBRAS E LAGARTOS DO INSTITUTO BUTANTAN

O incêndio que ocorreu neste final de semana no Instituto Butantan atingiu em cheio a Ciência Brasileira. O que tem sido divulgado na mídia não reflete a real dimensão da tragédia, a perda - de forma tão devastadora e definitiva - deste acervo biológico. Este impacto não se mede apenas em números de espécies e amostras de répteis, anfíbios e aracnídeos. Obviamente os números são importantes para saber que se perdeu uma das maiores coleções de cobras do mundo. Mas apenas esta informação não traduz o que isso realmente significa em termos de pesquisa científica, os diversos projetos em andamento que foram interrompidos e sabe-se lá como alunos e pesquisadores irão superar este trauma e reconduzir seus esforços e sonhos para a reconstrução de uma nova perspectiva científica. Uma coleção não é apenas um punhado de bichos mortos guardados em frascos cheios de formol... são estudos sobre estratégias de vidas, ocupação de habitats, padrões de distribuição geográfica, registros históricos de ocorrência de espécies em áreas de florestas que talvez nem existam mais, registros de espécies endêmicas (ocorrem apenas em uma região determinada) e raras, estudos de identificação de novas espécies ainda desconhecidas da ciência (que correm o risco de continuarem assim... apagadas do registro biológico, fumaça biológica). Com certeza há uma infinidade de outros estudos que podem ser elencadas aqui com muito mais propriedade por zoólogos, taxonomistas e  sistematas (como geneticista - mas também bióloga - deixo uma contribuição mais tímida e generalizada sobre o impacto desta perda, convido os especialistas da área para incluírem relatos mais específicos). Alguns breves depoimentos podem ser vistos aqui. Com relação ao que circulou na mídia, o texto que eu achei mais interessante e informativo foi o do "site" do Estadão (http://www.estadao.com.br/), inclusive com direito à Glossário (leia aqui). Uma frase muito perturbadora atribuída ao zoólogo Francisco Luis Franco, curador da coleção que virou cinzas, revela: "Todas as outras coleções estão vulneráveis do mesmo jeito." Recorro ao via gene para tentar expressar, de alguma maneira, minha solidariedade com aqueles mais diretamente envolvidos neste triste fato que se registra na história da ciência Brasileira neste ano de 2010. Lembro ainda que no ano passado, durante o encontro de 10 anos do programa Biota-FAPESP, muito se falou da necessidade de investimento para manutenção de coleções e museus de biologia para salvaguardar estes patrimônios biológicos e científicos. Eis aí um exemplo do que pode acontecer se ignorarmos esse apelo.
O sentimento realmente é de luto.