domingo, fevereiro 26, 2012

diário de uma coleta

The day after... antes do trabalho propriamente "de bancada" em um laboratório de genética molecular, existe um outro que nem sempre parece óbvio aos olhos de quem pensa nas práticas de estudo do DNA: a coleta de campo, onde são obtidas as amostras para estes estudos de DNA.

O cenário de pesquisa aqui é a análise da variabilidade genética de moscas, considerando tanto as diferenças genéticas entre os indivíduos de uma mesma espécie (variabilidade genética intraespecífica) quanto a diferença genética entre as espécies (variabilidade genética interespecífica).

Mas... de onde vem estes indivídos cheios de informações genéticas que serão comparados para que as diferenças entre eles sejam evidenciadas e interpretações sobre diversidade biológica sejam formuladas?

A busca por estas evidências fomenta projetos de pesquisa e a formação de jovens pesquisadores de iniciação científica e pós-graduação, além de alimentar o moto-continuo da construção de conhecimento científico. E a resposta sobre a origem das amostras, neste exemplo de pesquisa, é a natureza. As moscas doadoras de DNA são oriundas de ambientes naturais bem preservados como Mata Atlântica, Cerrado, etc. 

E lá vão os pesquisadores (sim, geneticistas também podem) aventurar-se nas matas e campos para encontrar (e capturar) o DNA, quer dizer, as moscas!

Registro no via gene alguns “flashes” de visitas com intuito exploratório para conhecermos um pouco mais sobre a diversidade de algumas moscas do Parque do Zizo (uma RPPN em São Miguel Arcanjo/Tapiraí - SP) e em uma área preservada do Instituto Arruda Botelho (Itirapina - SP). Este comentário/post em particular é dedicado ao Parque do Zizo.
 
Querido diário:
Coleta com puça

No dia 1° de fevereiro realizamos uma viagem para o Parque do Zizo (próximo a São Miguel Arcanjo, SP) e, ainda na estrada, nos deparamos com a carcaça de um cachorro do mato atropelado (o estado geral de decomposição indicava que fazia tempo). Junto à carcaça encontramos muitas moscas de hábitos saprófagos, como espécies da família Calliphoridae, adultos e larvas, além de besouros decompositores e outros insetos.

Apesar de ser uma nota triste (o atropelamento), conseguimos nossas primeiras amostras aqui, tomando o devido cuidado para não sermos vítimas na estrada durante esta atividade.

E seguida um pouco da vista mais adiante quando a estrada se transforma em uma trilha conforme se aproxima do parque:
Acesso ao Parque do Zizo
Manacá-da-serra

A estrada vai se modificando até transformar-se em uma paisagem cada vez mais cercada pela vegetação, úmida e esteticamente reconfortante, convidando os pesquisadores a conhecê-la e explorá-la.

Paulo (IC) e Gilson (piloto oficial UFSCar)
A viagem teve apoio incondicional do Paulo (esquerda) na coleta propriamente dita e na caracterização do ambiente e do Gilson que nos conduziu até nosso destino e de volta à UFSCar, demonstrando habilidade para apontar pegadas de animais silvestres e discorrer sobre búfalos, pesqueiros e gastronomia durante todo o percurso. Ao fundo começa-se a visualizar o portão de entrada do parque. Agradeço a estes colaboradores, movidos a sanduiches e guaraná, pelo apoio.
 
O córrego que nos recepciona

Há várias trilhas no parque mas, nesta visita técnica para caracterização da área, nós fomos mais conservadores e exploramos apenas duas rotas: uma ao longo deste córrego (Rio Ouro Fino) e outra morro acima, revelando dois ambientes bem distintos. Mais informações sobre as trilhas aqui.
Pesquisador e seu material de coleta
Estamos nas instalações do parque, que possui estrutura de pousada, muito utilizada por observadores de aves e outros curiosos da natureza selvagem. Para a coleta, estamos munidos com puçás, gaiolas, iscas e frascos de "n" utilidades, além de perneiras e chapéus para garantir nossa segurança e podermos nos concentrar mais nas moscas do que nas cobras que eventualmente poderiam querer participar do roteiro (felizmente, não vimos nenhuma cobra).
Lindas bromélias

Lindas bromélias sobre tronco caído
A cada trecho percorrido uma infinidade de bromélias saudava os visitantes e se distribuia em arranjos decorativos preparados ao acaso como se espera encontrar em uma mata natural bem preservada. Neste caminho nos deparamos com outras entidades plenamente integradas ao seu habitat natural:



Qual espécie de anfíbio será esta?
Encontramos este indivíduo sob a água (esquerda), deixou-se fotografar, imóvel, parecia fazer parte do fundo do córrego.
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camuflado: siga o dedo indicador...

Foi quase sem-querer que encontrei este outro pequeno anfíbio que se confunde com os gravetos e folhas secas do chão da trilha. Além da coloração muito semelhante ao substrato, o corpo tem estruturas que lembram mesmo um gravetinho.

o que vc achou do meu disfarce?
Espécie: Ischnocnema guentheri

Agradeço ao Prof Fernando Rodrigues, da UFSCar - Sorocaba e seus contatos pela disposição em investigar a identidade taxonômica dos anfíbios que encontramos durante nossa coleta (ainda vamos chegar nas moscas!).

Espécie: Physalaemus olfersii

Encontramos ainda mais uma espécie de sapinho no chão úmido da trilha do rio Ouro Fino. Também esta espécie utiliza-se da estratégia de camuflagem para confundir os observadores, ou predadores de plantão. Transformam-se em "folhapos" ou "sapolhas", de tão integrados aos folhiços. Estão vendo a criatura na parte superior da imagem?



Trilha e Rio Ouro Fino: coleta na margem

Na trilha do Ouro Fino selecionamos este ponto para as coletas, disponibilizando iscas (peixe em decomposição) para atrair espécies de moscas saprófagas e tentarmos capturá-las com redes entomológicas (o famoso puçá), classicamente associado à coleta de borboletas, mas que é um recursos precioso na captura de dípteros.


 
Finalmente: A MOSCA!


E nossa personagem principal, a MOSCA. Muitos indivíduos permanecem pousados sobre a vegetação nas vizinhanças da isca, aguardando uma oportunidade para compartilhar da novidade, muitas vezes machos com segundas intenções observando as fêmeas que se aproximam para se alimentar ou ovipor na isca.


 
a mosca na isca de peixe

Na mosca! A isca atraiu especies de moscas das famílias Calliphoridae (foto) e Sarcophagidae principalmente, além de espécies parecidas com moscas das frutas e outros organismos que não resistiram ao "banquete", como vespas, formigas e besouros. Como uma visita de reconhecimento fomos bem sucedidos. Iremos testar outras estratégias e metodologias para amostrar as moscas do Parque do Zizo, incluíndo diferentes armadilhas e maior diversidade de iscas.


que pernas enooooormes!




Aproveitamos para registrar mais algumas espécies curiosas que foram "acidentalmente" coletadas pelo puça junto com as moscas coletadas sobre as folhas. Seria um opilião essa bolinha com 8 pernas? Havia uma infinidade destes organismos num certo ponto da trilha

 
Neste trecho estávamos em outra trilha, que subia um moooooooorro em zigue-zague e conforme subíamos, o ambiente ia ficando menos úmido e nada de sapinhos se avistava pelo caminho. Mas encontramos esse monte de ... e ficamos imaginando quem teria "depositado" isso ali. Há uma trilha conhecida por ser frequentada por antas, seria esta uma evidência?


Parente do carruncho?

 As bromélias são famosas por abrigar uma diversidade de hóspedes atraídos pela fonte de água e outros nutrientes. Encontrei esse besouro lindo passeando pelo interior de uma bromélia e registro aqui mais um habitante do Parque do Zizo. Alguém sabe que espécie é esta?




frutos em abundância




Para não dizer que não falei das flores... não são exatamente flores, mas registro aqui também algumas espécies vegetais para aqueles que possam ter sentido falta de um "pé de árvore" neste longo comentário.




Teiú - o guardião do parque


Retornamos da coleta e nos deparamos com este simpático teiú tomando conta da entrada da pousada. Logo que viu que nossas intenções eram das mais nobres, realizar pesquisas científicas, nos deu as costas e seguiu seu caminho tranquilo. 






até a próxima...

Re-encontramos o Gilson e fomos presenteados com uma carona de trator até o carro, que estava nos aguardando ao final de uma estrada de terra íngrime que nos deu um suadouro mais cedo quando chegamos ao parque. Ao longo do caminho registramos ainda algumas pegadas de jaguatirica (se não me engano...) e de um marsupial. 

Vejam as fotos:




duas pegadas e uma formiga...

As duas pegadas estão lado a lado: à esquerda (dedos longos) seria referente a uma espécie de marsupial e a da direita (dedos curtos) seriam as "almofadinhas" de um felino, possivelmente uma jaguatitica. O que a formiga está fazendo aí é uma incógnita, assim como o que se passou entre o felino e o marsupial - se é que houve alguma coisa...


Sr. Francisco Balboni - Chico



Nossos sinceros agradecimentos ao Sr. Francisco Balboni, administrador do Parque do Zizo que permitiu nossa visita ao parque. Como retribuição, o via gene traz esta "matéria" especial.




Araucárias

Nos despedimos do parque com esta imagem das araucárias e com a perspectiva de conhecermos mais sobre a diversidade genética destas moscas. Em breve serão "postados" o relato e registros fotográficos da viagem de coleta que realizamos na última sexta-feira (24/02/2012) em uma área de cerrado do Instituto Arruda Botelho, em Itirapina, próximo à Represa do Broa.


biologia é 10! ana claudia

quinta-feira, fevereiro 23, 2012

é fácil preencher o currículo Lattes?


Retornando em 2012, após o carnaval... ao via gene!

Depois de um longo intervalo em silêncio e após ter conseguido desarrumar de forma irreversível (até onde meus "poderes" alcançam) o layout do via G, retomo o contato. Faltam ainda todos os meus saudosos "links" e outros dispositivos que figuravam absolutos neste pequeno sistema, mas entre mortos e feridos salvaram-se - quase - todos. Em algum momento, quando eu tiver paciência (nunca - diriam alguns), resgatarei os "links" perdidos...

A motivação deste comentário veio por intermédio de uma consulta feita por um aluno sobre como preencher alguns dados menos "óbvios" (talvez menos formalizados na estrutura acadêmica) nos formulários do currículo Lattes do CNPq. Exceto por um "link" para "perguntas frequentes", não encontrei um manual on-line... então comecei a resgatar minhas experiências com esse sistema revolucionário que é a plataforma Lattes (e cheguei à conclusão que não sou a pessoa mais indicada para responder mas, como me interessei pelo tema, arrisquei mesmo assim).

Preciso confessar que eu sou do tempo pré-Lattes, quando sofríamos para decidir sobre um modelo de currículo de pesquisador (fosse IC, pós-graduando ou doutor) que não omitisse nenhuma informação relevante ,nem incorporasse dados sem valor científico (como experiência de co-editora do jornalzinho da escola ou prêmio de atriz coadjuvante numa peça do Garcia Lorca e essas coisas que nos acompanham e talvez sejam curiosas para apresentar num blog, mas nunca num currículo científico). Havía a SÚMULA da FAPESP, que orientava a apresentação de informações importantes ao se submeter uma proposta de auxílio, e mais uma variedade de modelos.

Sendo uma testemunha ocular pré-histórica - no que se refere à plataforma "Lattes" - pude vivenciar a revolução que foi a implementação deste sistema. Para mim, jovem estudante na época, era fascinante participar desta comunidade virtual de pesquisadores brasileiros (na época eu participava de uma lista sobre temas de evolução organizada pelo Dr. Brian Golding chamada EVOLDIR, e já me sentia parte da famosa "comunidade científica internacional"). A plataforma "Lattes" era nosso "orkut científico" (hoje seria um "facebook científico"), e vivíamos inseridos na "rede", fazendo todo tipo de busca, fuçando literalmente na vida - científica - alheia.

Alguns pesquisadores da velha guarda não se emocionavam tanto com a novidade, preocupados que estavam em preencheer inúmeros campos do formulário com seus extensos currículos ou preocupados com o tipo de informação requerida nos campos a preencher: junto com a formalização dos dados na nova plataforma surgia um instrumento virtual de acesso amplo e irrestrito que permitia a qualquer um avaliar produtividade científica e quaisquer outros indicadores de desempenho acadêmico ou científico a partir dos dados inseridos ali. E a avaliação do pesquisador, tópico sempre polêmico devido à dificuldade de consenso sobre uma sistemática "universal" que seja fiel ao perfil avaliado, passava por uma reformulação, respondendo em parte a um modelo que valorizava mais a produtividade do pesquisador traduzida principalmente na publicação científica. Foi um marco na história dos currículos de cientistas e pesquisadores com implicações a curto, médio e longo prazo.

Enfrentado críticas ou sendo reconhecida como uma das maiores conquistas em termos de base de dados sobre uma comunidade científica, a plataforma Lattes está hoje intimamente incorporada no dia-a-dia da ciência brasileira e não há uma iniciação científica que passe à deriva.

Mas, voltando à questão que originou esse longo comentário, o preenchimento do currículo Lattes, é uma tarefa fácil? Como foi sua primeira vez?

Inclui abaixo minha resposta ao aluno, com algumas modificações, e convido os eventuais leitores do via a comentarem. Na ativa ainda...

ana claudia

Olá Fulano,
Tudo bom e você?
Sobre seu contato:
Preencher o "currículo Lattes" não é tão auto-orientado como parece inicialmente: uma mesma informação pode "aparecer" de formas diferentes em diferentes currículos.
Causas? Diversas:
1) porque já houve uma reformulação do programa e surgiram novas alternativas para melhorar o preenchimento, mas nem todo mundo consegue reorganizar os dados que foram armazenados anteriormente, principalmente num currículo extenso, porque dá muito trabalho;
2) porque alguns dados poderiam ser dispostos em mais de um lugar;
3) porque alguns dados não possuem campo adequado nos formulários disponíveis;
4) porque as várias áreas do conhecimento possuem idiossincrasias difíceis de serem incorporadas num "formulário universal" (justificando 2 e 3);
5) porque parece haver um certo oportunismo por parte de alguns "autores", contaminando a plataforma “Lattes” com informações duvidosas ou que supervalorizam o histórico científico do autor (aqui a coisa fica grave).
O MAIS IMPORTANTE: nunca deixar a informação ambígua (é uma coisa, mas parece outra...) ou errada (pior ainda). Apresente a informação da forma mais clara e honesta possível.
Lembre-se: o “Lattes" objetiva, principalmente, apresentar informações de um perfil de PESQUISADOR para a comunidade científica, dificilmente funciona como o CATHO ou algo do gênero, para facilitar contatos para emprego, então a forma de apresentar a informação é diferente, e o que valorizar também...
Para a questão que você me descreveu, entendo que haveria mais de uma forma de incluir estas atividades no seu currículo. Se quer incluir como projeto, reflita: Qual sua definição de projeto? A (sua) comunidade científica* compartilha deste conceito? Se sim, ok: inclua como projeto.
... se não? Pense bem nas principais características da atividade, ela pode ser reconhecida como projeto de pesquisa científica; ou é pesquisa de outra natureza; ou trabalho técnico; etc.? Sem bolsa, sem financiamento, sem orientador, sem vínculo formal... fica mais difícil mesmo de classificar uma atividade, não sei te orientar com base apenas nas informações que você descreveu. Minha IMPRESSÃO é que se você cadastrar como PROJETO, corre o risco de ficar ambíguo, pois a comunidade científica espera maior formalidade (a que eu “acompanho”, pelo menos).
*a forma de apresentação de algumas informações é óbvia, mas de outras nem tanto... nestas últimas podem haver diferentes interpretações por diferentes comunidades científicas (humanas e biológicas, por exemplo), fazendo com que a inclusão de um mesmo tipo de informação no “Lattes” ocorra de forma diferente (em campos diferentes, por exemplo).
DESCULPE não poder te dar a receita do que fazer. O preenchimento do “Lattes” é uma tarefa importante para qualquer pesquisador no Brasil (ou fora), mas não é tão simples. Seja o mais honesto possível. O campo "outras informações relevantes", ao final do currículo, é perfeito para incorporar quaisquer atividades "menos ortodoxas" que completam seu histórico acadêmico e/ou científico - parece ter sido sua opção, provavelmente eu faria o mesmo.
Algumas observações rápidas sobre a apresentação do seu currículo “Lattes”...

E paro por aqui neste comentário :)