Sei que vocês não vão acreditar, mas vou arriscar assim mesmo: acho que a idéia que tive (sério, pensei nisso sozinha!) de realizar uma mini-entrevista com pesquisadores brasileiros no exterior revelando alguns "flashes" curiosos sobre expectativa e realidades conquistadas (originalmente uma idéia para não deixar a "II Semana Nacional de Ciência e Tecnologia" passar em branco) foi maquiada, ampliada e contextualizada pela Folha de SP no seu caderno MAIS! de Domingo (06/11/2005). Para agregar valor jornalístico, foram eleitos "gênios" ao invés de pesquisadores comuns (esclarecimento justo: ao menos um dos autores da reportagem - ML - considerou a posteriori que o termo "gênio" não "pegou bem") e compilada uma lista de "perfis" (o que deixa a coisa toda mais sofisticada), ao invés de um mini-questionário impessoal e mínimo. Me desculpem vocês que contribuíram aqui, mas a notícia da Folha, reproduzida no "blogue" do jornalista Marcelo Leite, teve mais IBOPE. Um dia a gente chega lá... primeiro será preciso a medalha de mérito da Nature (= ter uma publicação lá) ou da Science para poder ter passe na mídia. Não se enganem: acho que esses caras (ah é, tem que ser homem também) devem ser feras mesmo e sua contribuição deve ser reconhecida e aplaudida (é verdade!), mas vamos também relevar o importante papel da infra-estrutura Norte Americana de fazer pesquisa no sucesso destes jovens doutores do balacobaco (ah sim, tem que estar ou ter estado sob os gloriosos céus da terra prometida - EUA), para ampliarmos um pouco mais nossos horizontes e vislumbrarmos outros autores do processo de produção de geniosidades. Pensei que minha crise (oriunda de um certo constrangimento com alguns pontos da reportagem) tinha passado, mas vejo que ela é resistente (ô praga!) ... vou submeter um artiguinho para a Nature para ver se passa (a crise, porque o artigo ainda tá difícil, oxalá meu dia virá :) :) )... mas não deve ser antes dos 35 anos - em breve (ah é, tem que ser menor de 35). Eventuais gênios (improvável...) e humanos comuns (alguém, talvez?) que possam estar lendo este comentário, me desculpem pelo tom azedinho do "post", mas estou numa maratona de atividades sem precedentes e acho que preciso injetar células-tronco no cérebro (mas não daquelas contaminadas, como as descobriu o Alysson (um dos perfilados da Folha de SP), quero as que não foram tratadas com tripsina: as células-tronco ISO9000, que provavelmente serão descobertas nos EUA, com financiamento do NSF, publicadas na revista Nature por um líder de equipe do sexo masculino com menos de 35 anos, com formação acadêmico-científica e nacionalidade brasileiras! É isso aí! Sucesso aos perfís brasileiros, incluindo os da supra-citada reportagem, e criatividade e bom-senso ao jornalismo científico do Brasil, em especial ao da Folha SP, que merece reconhecimento e... algumas críticas também, construtivas, por que não?
Desculpem-me aqueles que não entenderam nadica-de-nada deste post-desabafo. Ufa! Chega de crise!
Desculpem-me aqueles que não entenderam nadica-de-nada deste post-desabafo. Ufa! Chega de crise!
15 comentários:
Oi, Ana. Vim dizer que eu estou contigo... naquela discussão lá do Ciência em Dia. ;-)
ahn, eu tb escrevi sobre aquilo ( os perfis dos moços) no meu blog no domigo.
Oi Ana,
Achei tua idéia do "doutores sem fronteiras" muito boa. Espero que apareçam mais entrevistas, são muito mais espontâneas e informativas que os perfis que saíram na Folha.
Andre
http://blogdoift.blogspot.com
O problema não é a estereotipização do cientista "gênio" como homem, de menos de 35, com passagens ou estadias mais ou menos definitivas em São Paulo e/ou Estados Unidos. Será que esse não é mesmo um retrato da (pobre) "realidade" que vivemos?
O problema é isso tudo não ser identificado como um grande problema para o avanço da humanidade. Nada contra essa fatia da humanidade e seus feitos. A questão é que eles deveriam ser PARTE de um todo e não o todo. Precisamos é valorizar, encorajar, cultuar cientistas com outros perfis, com outras passagens na vida. Gente que possa por isso mesmo ter idéias inesperadas, novas eurecas, nos tirar desta mesmice. Porque dá pra ver que assim não está dando certo. Tem gente escolhendo o sexo dos seus bebês de proveta e gente incendiando carros em Paris pra ver se chama a atanção da humanidade. Eu queria ver a Nature responder mais aos problemas dos incendiários de Paris e não só aos interesses dos detentores do poder. OK, por vários motivos eles também merecem a nossa energia. Mas não toda.
Olá Maria José,
Assino embaixo de alguns trechos do seu comentário, principalmente no que diz respeito a reconhecer a existência e a contribuição de outros perfis de cientistas que participam energicamente do avanço da produção de conhecimento, da formação de recursos humanos e buscam fazer sua parte no TODO social. Por outro lado, "sair da mesmice" depende de uma evolução e concientização social que exige mais do que cientistas bem-intencionados, engajados e criativos (e que sabem que são PARTE)... é o TODO que tem que aprender a se organizar e mudar, sem esperar um salvador que venha decidir como e o que fazer.
Um abraço,
ana claudia
Olá Ana Cláudia,
Concordei com você no Blog do Marcelo.
Esta história jovens de gênios é sempre complicada. Quer comparar com os caras que ganhavam Nobel no começo do século? Em média tinham 25 anos de idade. Agora só ganha quem tem mais de 70 anos.
Eu acho importante mostrar o que está sendo feito de Ciência no Brasil. Cara que fazem as coisas no EUA, como os citados na matéria não são diferentes de qualquer um dos milhares de chinês e indianos que tem lá.
Acho a tendência de achar sempre o que é de fora melhor.
Mas fiquei triste, mesmo, é saber que com 38 anos já estou velho (rssss)
I look forward to Your visit!
Olá Adilson!
É... o problema é sempre o DNA: Data de Nascimento Antiga (comentário meio infame mais apropriado :)).
Abraços,
ana claudia
Oi Ana!
Como sempre, adoro ler o que vc escreve. Dei uma passada pelo blog do Marcelo Leite e li tb o que vc postou la. Concordo com vc...
Quanto ao negocio da idade: eh engracado que eu ja estava mesmo comecando a me achar velha para algumas coisas, mas nao pensei que eu fosse velha para pensar e criar... Alias, pensei que eu estivesse chegando na maturidade intelectual agora :-(
Eh minha cara amiga, sinto que cada vez mais a nossa capacidade eh tolhida por algumas ideias estranhas. Mas eu tenho fe que as pessoas que sao competentes sao reconhecidas.
A sua indignacao (ou o seu "azedume", como vc diz) contribui para que as coisas mudem, mesmo que atinjam apenas aqueles que a cercam, que podem te ouvir. O que nao pode eh se ocultar.
Aproveito o espaco para agradecer ao Andre, por ter achado as suas entrevistas mais espontaneas, ja que sou uma das suas "entrevistadas" e tb concordar com o Adilson, que disse muito bem que hoje em dias os ganhadores do premio Nobel tem alguns anos a mais...
Bom Aninha, continue ai na luta e eu continuo daqui te apoiando!!!
Olá Ana,
Desde que vi o seu post "Doutores sem Fonteiras", achei a idéia extremamente interessante (inclusive o nome), pelo fato de resgatar, contar um pouco a história e divulgar quem são os recém-doutores, doutorandos em curso ou pós-docs do Brasil. Inclusive, isso vem ao encontro de agências de fomento, como a FAPESP,para dar um exemplo, em integrar essa massa crítica na qual o país investe recursos, no nosso sistema de ciência e tecnologia. E também é um grande estímulo para o pessoal ser escutado em suas expectativas. Igualmente interessante seria você continuar esse "projeto",dando uma chamada especial para essa coluna em seu blog e continuasse a solicitar esses depoimentos, ou fazer de outra forma, a seu critério, evidentemente. Estou apenas palpitando...Certamente será importante daqui um período, você ter uma análise de situação mais ampla (claro que não dá para ser exaustiva e nem precisa), a ser apresentada num encontro de C&T ou em outros fóruns, e também divulgada em meio eletrônico.
Coincidentemente, hoje, 13 de novembro, no espaço "Tendências/Debates" da Folha de São Paulo, saiu uma matéria excelente da autoria do atual Diretor da UNESCO, discutindo a "Sociedade do Conhecimento", e de como o aprendizado deve ser compartilhado, dentre outras coisas. É uma discussão macro, mas penso que é sempre importante fazer algumas analogias com os nossos universos micros. E como já falei para você anteriormente, a sua crise é criativa, não se preocupe se ela perdurar. Dê asas à imginação e bons vôos. Abraços. Norma.
Ana Cláudia,
Em defesa da Folha e do Marcelo Leite (não deixe ele saber que o estou defendendo), ele esteve aqui no início de setembro, visitando os nossos laboratórios. Já vinham falando com a gente sobre isto desde julho. Então foi coincidência mesmo que isto tenha sido publicado pouco depois de sua boa iniciativa (bom para você ter tido esta idéia criativa simultaneamente com alguns dos melhores jornalistas da área).
Helô!
Será que "azedume" tem alguma serventia? Vou me esforçar para transformá-lo em otimismo e bom-humor, mas sem perder o espírito crítico, claro, senão a gente perde a identidade, não é?
Norma!
O nome "doutores sem fronteiras" foi plagiado (?!) do programa "Médicos sem fronteiras"... tentando aludir ao fato de que os doutores "fora do Brasil" também estariam experimentando uma condição de desafio e idealismo (sei que são iniciativas bem diferentes, mas não resisti à tentação...). Como você sabe, a "academia" é meio resistente ao formato Blog, mas vou tentar "postar" mais algumas opiniões (além disso, este blog não tem, nem pretende ter, a projeção de veículos de comunicação formais - como jornais, por exemplo - então conto com a simpatia de amigos e colegas para trazer algumas impressões para este espaço). Outra coisa é que o blog é mais diversão do que profissão: minha prioridade é a pesquisa científica e nem sempre é possível ampliar muito uma idéia criativa (alguém disse isso, não? :)), mas fora do eixo científico-acadêmico (vc sabe como é isso, não?). Vou dar uma olhada na reportagem que você comentou, parece interessante sim, e a perspectiva MACRO é sempre bem-vinda e necessária! Um grande abraço e obrigada pelo comentário.
ana claudia
Olá Marcelo,
Obrigada pela participação. Realmente não é necessário defender ninguém, pois a intenção deste "post" é na verdade mais lúdica e oportunista no sentido de ironizar "de leve" a coincidência temática das reportagens da FSP e das entrevistas daqui. E coincidência não é necessariamente evidência, não é? A pesquisa científica nos ensina a ter cautela para não confundir estes dois personagens. Além disso, sei dimensionar o que é uma "idéia criativa" do que é um trabalho sério de jornalismo científico (passível de críticas construtivas, para se manter saudável afinal). Não que eu precise me justificar, ou será que preciso?
Um abraço e sucesso,
ana claudia
Leiam esta que complementa muito bem as críticas e desconfortos de muitos:
"Ad Lagendijk
Pushing for power
Tales of brilliant scientists and their heroic discoveries can overshadow the true nature of scientific
communities, which are often dominated by battles for power and success. Nature 438, pg 429"
Postar um comentário