terça-feira, fevereiro 16, 2010

ciência, academia e violência

Tiroteios em escolas e universidades são frequentemente noticiados na midia internacional, quase sempre ocorrendo nos Estados Unidos. Aí está o filme-documentário "Tiros em Columbine"do polêmico diretor e ativista político Michael Moore que não me deixa mentir. Claro que a realidade brasiliera também noticia - e com certa frequência - a ocorrência de tiroteios e mortes em escolas (uma amostra, outra amostra), normalmente motivadas por questões envolvendo tráfico de substâncias ilícitas e questões "territorias" envolvendo gangues formadas nas escolas ou mesmo fora delas.

Mesmo assim, considerando este "traço" da cultura americana (conforme a visão de Moore), sempre me surpreende uma notícia de violência explícita como ocorreu semana passada na Universidade do Alabama, EUA. Mais surpreendente porque os holofotes não focaram em adolescentes introspectivos, nem estrangeiros de comportamento anti-social, mas em uma docente e pesquisadora de ~40 anos de idade, com reconhecida capacidade científica, incluindo experiência acadêmica na famosa universidade de Harvard, prêmios científicos e sócia (junto com o marido) de uma empresa de biologia molecular e celular, uma neurocientista. Esta cientista, professora assistente de biologia, foi - armada (!) - a uma reunião com uma comissão formada por outros docentes da instituição para discutir sua permanência na universidade. Nos Estados Unidos, a sistemática de contratação de docentes pelas universidades inclui um longo período probatório (que pode chegar a até 10 anos, se não me engano) como professor assistente, ao término deste período o docente é avaliado com relação à sua produtividade em pesquisa, qualidade e esforço como docente e atuação em serviços (algo como aqui conhecemos por atividades de extensão). Caso esta avaliação indique que o docente atingiu (ou superou) as metas previstas, ele fará parte do quadro de docentes permanentes (passando de Professor Assistente para Professor Associado ou "Tenured Professor") da instituição, sendo garantida a - tão desejada - estabilidade no emprego*. Note-se que nas Universidades Federais brasileiras estes mesmos termos, Professor Assistente e Prof. Associado, não possuem a mesma definição adotada nos Estados Unidos (Assistente = com mestrado; Associado = livre-docente; entre os dois figura a posição do Adjunto = com doutorado); e o período de estágio probatório é de apenas 3 anos.

Voltando ao caso americano: durante a tal reunião, a professora que estava sendo avaliada realizou uma série de disparos matando 3 pessoas e ferindo outras 3 (uma em estado grave). Pela divulgação na mídia, a motivação do crime foi a resposta negativa da comissão avaliadora quanto à promoção da titulação acadêmica da solicitante, Dra. Amy Bishop. 

Muita informação está sendo apresentada sobre a personalidade de Amy Bishop, que era tida como extremamente arrogante (mas especula-se que era uma cientista brilhante e uma docente dedicada), sobre um episódio violento do seu passado (aos 20 anos ela foi considerada inocente pela morte do irmão, de 18, por ter disparado uma arma "acidentalmente"...) e sobre a possibilidade dela ser doente mental ou estar sob o efeito de anti-depressivos. O que inspirou este texto foi a postagem do blog Terra Sigillata, de Abel Pharmboy, UA Huntsville Dr. Amy Bishop holds active NIH R15 AREA award. Outro texto relacionado é o "post" mais recente Amy Bishop UAH case: What role should personality or collegiality play in tenure decisions? Ambos os textos estão repletos de comentários com opiniões e curiosidades sobre o sistema acadêmico norte-americano. Talvez um pouco distante da nossa realidade, mas vale a pena dar uma olhada, especialmente quando a violência traz como protagonistas professores de biologia.  

Um trecho extraído do blog de Abel Pharmboy em que ele cita uma entrevista com um professor de psicologia da Universidade do Alabama que foi publicada no jornal Decatur Daily:

"In today's Decatur Daily, staff writer Eric Fleischauer has an extended interview with UAH psychology professor Eric Seemann. You really should read the whole thing because it provides an inside view of Bishop's personality and relationships. But here is a critical passage:

Despite her excellent research ability, Seemann was not surprised she struggled to obtain tenure.

"Amy was kind of hard to get along with," he said. "I've talked to people who said, 'Wow, she can be really arrogant,' or be really headstrong. I knew that to be true. But at the same time she was brilliant. She was really one of UAH's rising research stars. People I know in biological sciences would say, 'She's a great researcher, but she's lousy to work with.' "

She was brilliant and she knew it.

"At one meeting I was with Amy, she was complaining to a group of us. She said she was denied tenure not because she was a lousy researcher -- she's not, quite the opposite -- and not because she didn't have good classes, she believed she did -- I think some might say otherwise -- but because she was accused of being arrogant, aloof and superior. And she said, 'I am.' "


É ou não é de deixar qualquer um perplexo?

abraços aos eventuais leitores de todas as horas,

ana claudia

* Richard Dawkins na obra "A grande história da evolução" comenta que haveria uma "degeneração" das estruturas cerebrais de alguns acadêmicos durante o desenvolvimento que se segue ao contrato permanente (ou efetivação). pg. 432 da edição em português da Cia das Letras :)  

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