quarta-feira, maio 10, 2006

receita para fazer um bom doutor?


Vi isso hoje na Nature (referência: vol 441, pg 252, doi: 10.1038/nj7090-252b)
Obs. 1: apenas uma fração do conteúdo original está "postado", espero assim "ferir" o menos possível os direitos de "copyright", mas deixar algumas reflexões em um fórum aberto. Onde achei pertinente incluí - em português - minha opinião pessoal a respeito desta receita (?!). Fiquem à vontade para listar outros atributos importantes ou discordar destes que aqui se apresentam.
Obs. 2: uma questão de conceito - o "doutor" do título do "post" se refere ao título acadêmico concedido àqueles que defenderam uma tese de doutorado (PhD, conforme a sigla em inglês), não inclui médicos, advogados, delegados ou afins.
So what should we be telling prospective PhD students?
1 - Choose a supervisor whose work you admire and who is well supported by grants and departmental infrastructure.
anac: identidade com o tema de pesquisa do orientador/supervisor ajuda, mas 1) um bom orientador pode ser mais importante na formação do aluno do que o tema em si e 2) se você for apaixonado por um tema, você tem grandes chances, independente do orientador (bem, um mínimo de respeito é importante).

2 - Take responsibility for your project.
anac: sim, na medida do possível... há uma certa ingenuidade aqui... nem sempre o aluno está maduro o suficiente para perceber a dimensão de um novo projeto de doutorado. Não raramente, alunos estão envolvidos em projetos de risco (com poucas chances de sucesso) propostos pelos orientadores e assumidos por um aluno com pouca experiência para avaliar o risco inerente. O que quero dizer é: bons alunos assumem a responsabilidade de seus projetos, MAS bons orientadores têm a responsabilidade de propor projetos que os alunos possam responsabilizar-se.

3 - Work hard — long days all week and part of most weekends. If research is your passion this should be easy, and if it isn't, you are probably in the wrong field. Note who goes home with a full briefcase to work on at the end of the day. This is a cause of success, not a consequence.
anac: se você não passa o fim-de-semana rindo ao fazer sua pesquisa de laboratório enquanto um dia ensolarado acontece do lado de fora... calma, vc ainda pode ser um bom cientista. Acho este comentário bem "americano", no sentido "workaholic" de vida. Sim, é verdade que um doutorado consome finais-de-semana, principalmente àqueles em véspera de entrega de relatório, participação em evento científico (congressos) e exames e afins. Mas, sabendo planejar seu tempo, esse "uso" de finais-de-semana podem ser minimizados e você pode - sim - ter uma vida saudável, mental e fisicamente.

4 - Take some weekends off, and decent holidays, so you don't burn out.
anac: óbvio, senão você vai ser tornar um monstro viciado em café e bancada, não vai ter nenhum amigo (família, nem pensar) e não vai saber que existe um mundo do lado de fora do laboratório, bem mais real que aquele que nós cultivamos "inside".
5 - Read the literature in your immediate area, both current and past, and around it. You can't possibly make an original contribution to the literature unless you know what is already there.
anac: óbvio também... seja normal, se optou pelo doutorado, mantenha-se informado sobre o "state-of-art" da sua área e, periodicamente (1x/semana), assista a seminários abrangendo outros temas, não seja um/a bitolado/a, isso não é vida.

6 - Plan your days and weeks carefully to dovetail experiments so that you have a minimum amount of downtime.
anac: já comentei em algum lugar aí em cima... algum planejamento e grade de horário são necessários para um mínimo de organização e para facilitar o trabalho de equipe (aliás, segundo estas "dicas", saber trabalhar em equipe - super fundamental para ser um bom cientista - nem foi mencionado... êta visãozinha "selfish" do aluno de pós... promova a equipe e o trabalho em equipe sempre que puder!)

7 - Keep a good lab book and write it up every day.
anac: claro: tenha seus registros em ordem para não se perder em sua pesquisa.

8 - Be creative. Think about what you are doing and why, and look for better ways to go. Don't see your PhD as just a road map laid out by your supervisor.
anac: confesso, nunca entendi bem essa história de "seja criativo", soa como "seja talentoso"... ou você nasce assim ou vai ralar um bocado tentando aprender a ser criativo. Não acho que seja uma coisa que se quer e imediatamente se consegue, alguns seres são naturalmente criativos, outros bons cientistas aprenderam com a experiência (foram "ficando" mais criativos) e muito espírito crítico (aliás outra coisa importante que não foi mencionada no artigo ou manual). Se alguém te diz: "Tenha uma boa idéia agora", você simplesmente a tem? Então o ítem poderia ser algo como "Só tenha idéias boas ou excelentes"

9 - Develop good writing skills: they will make your scientific career immeasurably easier.
anac: fácil falar... essa é uma daquelas coisas que você passa a vida toda aprimorando... melhor já nascer sabendo, mas com algum esforço e dedicação você pode ser um bom cientista mesmo se não nasceu dotado deste talento. E, se não for americano ou inglês (incluíndo colônias), esforçe-se ainda mais para reverter sua habilidade para a esta línguagem não-nativa...

10 - To be successful you must be at least four of the following: smart, motivated, creative, hard-working, skilful and lucky. You can't depend on luck, so you had better focus on the others!
anac: e ainda – bem-humorado, otimista, crítico, agregador (saiba trabalhar em equipe) e humilde (a natureza vai te surpreender sempre com infinitos enigmas e desafios, mesmo que você passe uma vida toda dedicado a desvendá-la).

Um manual com este conteúdo está disponível aqui.

2 comentários:

Maria Guimarães disse...

ana cláudia,
achei interessante, embora americanóide, né? mas muito se aplica de forma mais universal. queria complementar dois pontos:
3- trabalhar muito. na verdade se estende além de doutorandos. quando eu fazia doutorado (nos estados unidos, cercada desse astral workaholic puritano) concluí que não podia seguir carreira acadêmica -- inclusive porque eu não conseguia corresponder a essa dica 3. até trabalhava muito, mas achava o fim. e sabia que tinha mais na vida. agora mudei de carreira, continuo sabendo que a vida é muito mais do que trabalho, mas tenho que me disciplinar é pra dar espaço pra esse resto da vida. porque quando a gente é apaixonado pelo que faz, corre o risco de fazer demais.
5- você comentou a parte óbvia, se manter a par dos avanços. mas pelo que você cita, o artigo original se refere também a ler os clássicos. menciono isto porque é menos óbvio, e muita gente acha perda de tempo. eu acho essencial a gente entender como as idéias surgiram, desde quando elas esão por aí, quem pensou nelas primeiro e como etc.
abraço.

via gene disse...

Olá Maria!

Obrigada pelo comentário, muito bem-vindo! Dicas e orientações deste tipo são bem comuns nos EUA, não? Pelo menos bem mais do que aqui no Brasil. Parece que para tudo se tem um manual, o mundo é prático e seguindo-se a "receita do sucesso" todo mundo pode chegar ao Nobel. Outro problema (além da "necessidade" de ser um trabalhador obsessivo) é que tanto lá quanto aqui - principalmente - a atividade científica é mal-remunerada... além de ser importante saber planejar seu tempo para poder ter qualidade na vida que se quer viver, também seria importante que se remunerasse de acordo com o esforço, a formação profissional e a dedicação à pesquisa, mas aí o orçamento está estrangulado, o mercado de trabalho está retraído (e ainda deixa a desejar quanto a salários) e pesquisadores correm o risco de se transformar em bolsistas crônicos... qualquer planejamento mais ambicioso em termos de qualidade de vida e conquista de sonhos esbarra na precariedade desta situação. Uma pena...

Concordo que ler os clássicos é importante. Quando penso em "estado-da-arte" sempre imagino que o histórico ou uma "trajetória científica" possam ser reconhecidos como parte integrante. Assim como também é importante saber os desdobramentos e quais são as teorias ou idéias vigentes (pois estas são resultado do "jogo" da ciência de construir e descontruir o conhecimento através da elaboração de teses, anti-teses e sínteses).
O manual que está indicado ao final do "post" é uma lista bem maior de "dicas" (acho que o dobro) com comentários mais extensos e mais informativos, vale a pena dar uma olhada, mas não foge do óbvio e do "tom" americano de ser.